Minha filha e o marido saíram para almoçar. Na volta chegaram com um presente para mim. Ela fez questão de abrir e explicar. O livro é uma espécie de álbum de memórias, semelhante à árvore genealógica (moderna!). Eu havia visto e lido sobre os livros de família, prática que se tornou novidade no mercado editorial a partir do seculo XXI. Em 2013, eu publiquei Histórias de Jorge, o Batuta. Meu livro pretendeu contar os causos do papai, que havia falecido em 2007 durante a elaboração do seu lvro, um sonho que alimentava há anos. Nessas alturas, passados mais de seis anos, eu fui acrescentando informações sobre outros familiares, que se relacionavam com ele. Assim que ficou pronta, a obra apresentava a cara de "Livro de Família", resumido. Pensei em complementar em segundo volume, mas acabei me sentindo desestimulada. A razão é simples. Nenhum dos meus familiares leu o livro, exceto a minha filha, que é a revisora oficial da obra. Muitas vezes meus sobrinhos, netos e até irmãos me procuraram para fazer perguntas sobre nomes, datas, fatos e grau de parentesco dos personagens.
Por outro lado, vários amigos e até leitores desconhecidos se manifestaram sobre a obra, todos de forma positiva, felizmente. Ver aqui: https://sandrafayad.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=5284029
O presente da minha filha é valioso. Vou preencher o questionário didático como faziam os bons alunos das décadas de 50/60 do século XX. Mas este presente me levou a mais uma reflexão. Será que estão preocupados com a minha efemeridade próxima? Ou até a revisora do livro do papai já não se lembra do seu conteúdo?
A duas últimas décadas deletaram da memória dos mais jovens fatos, valores, pessoas importantes. Tudo e todos desaparecem muito rápido, talvez porque nosso cérebro tenha capacidade de armazenamento muito limitado para guardar o passado recente. Ele só consegue processar o presente, o atual. Os mais jovens são privados de origem e consequentemente de sensibilidade. No futuro, provavelmente, verão esse álbum preenchido à mão como um objeto muito estranho, que não possui qualquer link com eles.
Mas pelo sim pelo não vamos lá! Mãos à obra!
Rafael nasceu em 06 (?) de fevereiro de 2025. É o segundo filho da minha sobrinha, Helena e seu marido Rubens, e o segundo neto da minha irmã, Julieta e seu marido Adib Haddad. Eu o conheci aos dois meses de idade. Esperto,já interagia bem conosco, com sorrisos e gestos de aceitação. Havia tomado a primeira dose de quatro vacinas obrigatórias. Chorou muito de dor e teve diarreia nas primeiras 48 horas. Depois ficou bem.
MEUS PAIS
Trabalharam sem descanso meus pais
O lema "lutar" sem repouso e conforto
Ser fortes pressionava cada vez mais.
Havia pressa - filhos cresciam, comiam.
Papai - atleta sem academia, musculoso
Causava respeito e inveja aos que o viam.
Mamãe, solitária nos afazeres, intelectual
Acumulava funções e escondia seus ais.
Dos filhos modelos, sem questionamentos
Garantia de subsistência e progresso
Infalíveis protetores nos maus momentos
Crença equivocada:vida eterna,sucesso.
Até que veio a interrupção bruta, inesperada
Um misto de dor e medo, enorme retrocesso
Explosão de emoções, olhares perdidos, nada.
Escuridão!
Ela se foi, depois ele... Nossa vida ficou aguada...
02/03/2025
Essa cartnha é para você, minha cachorrinha suja, feia, mas amada. Eu acabara de chegar ao mundo e já estava fazendo amizade com quem de fato merecia. Dizem que os adultos devem prestar atenção às crianças para aprender com elas. Estou aqui, olhando-me sentada no chão da fazenda da minha avó Maria que (me contaram) era apaixonada por mim. Faço um esforço enorme para lembrar dela, mas não consigo trazê-la de volta. Foram só 2 anos e meio de um amor intenso.Nunca me contaram se essa foto foi tirada antes ou depois que ela se foi subitamente. Ou será que foi exatamente naquele dia? Usavam tirar foto das pessoas mortas dentro do caixão. Pode ser que tenham aproveitado a oportunidade. Será que eu me agarrava à você, cachorrinha, para adquirir forças ou me compensar de tão grande perda. enquanto os adultos velavam o corpo?Contam que minha avó Maria era linda, sorridente, comunicativa, valente. Ela montava cavalo e, depois que ficou viúva, usava um revólver calibri 32 dentro da camisa para se defender dos assédios e assaltantes. Às vezes me imagino na garupa dela com o cavalo trotando pelos pastos da fazenda. Noutras vezes eu choro de saudades. É uma saudade gigante do que a vida não deu ao seu lado. Essa lacuna nunca será preenchida.
Qual terá sido o tamanho da compensação que você, cachorrinha, me deu?
Bsb, 06/05/2024
BÁRBARA
Benza-te Deus em teus projetos
Abençoa tua saúde e teus caminhos
Remove deles pedras e seres abjetos.
Benfazejos sejam os teus e teu ninho
Ainda que haja labuta e cansaço
Reinarão paz, amor, carinho
Afagos com muitos beijos e abraços
Bsb, 16/02/2024