Histórias da Horta – CARÊNCIAS!
Nossa dor vem da distância entre aquilo que somos e o que idealizamos ser. Friedrich Nietzsche
Vamos lá! Hoje o dia é de constatação. Uma assustadora e intensa constatação. O mundo está extremamente carente.
Comecei o dia com a mensagem chorosa de uma pessoa conhecida, mas não tão próxima. Dizia-se “cheia de problemas, desesperada. Já não sei o que fazer da vida. Preciso conversar com alguém. Posso ligar mais tarde? ”
Tomei café e fui cuidar dos cães, da horta, caminhar...
Na volta, a vizinha de mais de 80 anos se aproximou. Ela tem vindo todos os dias. Precisa conversar sobre qualquer assunto. Vendo-a ali através da sua janela, a outra vizinha com mais de cinco décadas de vida aproximou-se também. Em seguida chegou a nova moradora na área. Esta solicitou-me apresentar-lhe o Projeto. Pedi um tempinho porque estava terminando de plantar uns galhos de arruda, que foram deixados em um dos cestos de doação. “ Arruda a gente tem de plantar rápido, senão morre. ” Antes que eu começasse a falar, as três foram se apresentando e conversando... A nova visitante contou que é de outro Estado, trabalha o dia todo, está separada do marido e vem enfrentando muita dificuldade emocional. A mais idosa, viúva, relatava às outras que foi enganada durante quinze anos pelo falecido. A mais jovem dizia que se recuperou de uma decepção amorosa na igreja, Convidava a nova moradora para frequentar o mesmo local em que se apoiou naquele momento difícil. Já estavam trocando os contatos, quando acabei de plantar as mudas de arruda.
Nessas alturas, a apresentação do Projeto já não era tão importante. E minha participação na conversa foi só uma “pontinha”.
Despediam-se, ao mesmo tempo em que chegava aquela senhora vistosa e bem-falante. Vestida com trajes românticos, chapéu e guarda sol cor de rosa, trouxe-me a lembrança de uma novelinha das seis horas da tarde na Rede Globo. Apresentou-se como professora universitária da Faculdade de Farmácia. Contou sobre um Projeto semelhante ao meu, e se propôs a trazer amigas afinadas com o trabalho, para trocarmos ideias. Morando em um apartamento pequeno, perguntou sobre o tamanho da minha casa. Expliquei que é espaçosa. “Tenho um projeto de reunir duas ou três pessoas da mesma faixa etária que a minha e compartilhar com elas uma casa grande. Assim, uma poderá ajudar a outra, mesmo que não haja muitas afinidades. É muito ruim ficar sozinha depois de uma certa fase da vida. “
Depois que elas se foram, fiquei meditando sobre este pequeno poema em prosa de Charles Baudelaire (1855):
“Quem não sabe povoar sua solidão, também não saberá ficar sozinho em meio a uma multidão”.
Charles-Pierre Baudelaire (1821-1867) foi um poeta francês, considerado um dos precursores do Simbolismo, tendo influenciado a poesia internacional de tendência simbolista.