VOVÓ CORAGEM
Seu pai, comerciante alegre e bonachão, conhecido por João Turco, instalou-se, no final do século XIX, lá para as bandas do Rio Grande, próximo à ponte que separa São Paulo de Minas Gerais. Igarapava era o ponto final e, ao mesmo tempo, o ponto de partida para os primeiros imigrantes árabes que desembarcavam no Porto de Santos. Para lá é que eram encaminhados. Iam em busca de oportunidades, convencidos pelos agentes do governo e por aventureiros de que obteriam sucesso, se fossem por aquele caminho. O argumento é que iriam encontrar ouro e outras riquezas do outro lado do rio. Na verdade, o que se pretendia era ocupar e desenvolver o território das Minas Gerais e Goiás, a partir do Triângulo Mineiro.
Maria, jovem libanesa, linda e alegre, era uma das filhas de João Turco e Angelina Fiod. Certa vez, o pai amoroso e liberal, contou-lhe que quatro rapazes, todos árabes e conhecidos, haviam ido pedir-lhe sua mão em casamento.
- Todos são bons. Não sei qual dos pedidos vou aceitar. Pensando bem, vou lhe dar o direito de escolher.
Maria pediu um tempo para pensar. Mas seu coração já havia apontado na direção de Miguel, aquele belo jovem estudante universitário, recém chegado da aldeia de Kafarabida (hoje Província de Kouros, no Líbano).
Depois do casamento, atravessaram o Rio Grande. A travessia ainda era realizada em canoas ou barcos, mas o progresso estava chegando com o ínicio da construção da tão esperada ponte, por onde passaria a estrada de ferro Mogiana, levando e trazendo pessoas e produtos. No entanto a estrada de ferro só chegou a 70 km de Catalão, seu destino final, mas já foi um ganho significativo para a população local.
Ali, Maria viveu muito feliz com seu marido, que havia adquirido e tocava lavoura em terras lá para as bandas do Rio São Marcos. Tiveram sete filhos. Quando a caçula ainda era bebê, eis que uma tragédia se abateu sobre ela e as crianças de zero a quatorze anos. Seu marido foi assassinado em uma tocaia no centro da cidade. No julgamento do criminoso, ela corajosamente colocou as sete crianças na frente ds jurados e jogou aos seus pés as vestes ensanguentadas do marido morto aos gritos de pedido de justiça. O réu foi condenado a 20 anos de prisão.
Foram tempos difíceis. Maria ficou praticamente sozinha para tocar a Fazenda há cerca do 50 km de distância. Mas sua coragem era admirável. Comprou um revólver calibre 32, aprendeu a atirar, costurou um bolso interno no peitoral da própria roupa, arreou seu cavalo e foi vistoriar a sua propriedade. Assim fez durante alguns anos, às vezes acompanhada por Jorge, seu enteado e filho do marido com a negra Belizária, ás vezes seguida por um capataz cedido por outro fazendeiro amigo.
No próximo episódio conto mais sobre Maria, minha avó corajosa.
Bsb, 22/01/2023