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Histórias da Horta - Os Venezuelanos
São muitas situações inusitadas que acontecem na rampa ou na calçada de acesso à Horta. Perto de onde estamos há uma casa de acolhimento dos venezuelanos, que eles chamam de abrigo. Antigamente o local era conhecido como SOS Infantil. Como sabemos, devido às condições precárias em que foi submetido o povo daquele país, o Brasil tem acolhido e distribuído esses imigrantes pelos vários Estados da Federação. O deslocamento a partir da fronteira se dá por etapas. No caso de Brasília, a quantidade de pessoas que chega ocorre à medida que vão surgindo vagas de "hospedagem" no único local de acolhimento. Ali eles recebem os cuidados básicos, alimentação e orientações para encontrar trabalho e escolas para as crianças. Tenho recebido alguns aqui na Horta. Primeiro veio uma moça com três crianças pedindo trabalho e narrando seus dramas pessoais; depois outra, que disse ser psicóloga. Esta estava muito ansiosa, no limite do prazo para conseguir trabalho. No dia seguinte voltou acompanhada de um homem - que poderia ser seu marido, não sei ao certo. Trouxeram um cartaz com telefone e informações pessoais, que colei no Mural da Horta. Mais tarde, agradeceu e disse que estavam se deslocando para o Rio de Janeiro. Aquela primeira moça voltou a procurar-me também muito ansiosa, porque havia alugado um apartamento e estava sendo despejada com as crianças. Não possuía dinheiro suficiente para pagar o aluguel. Pediu para eu conseguir lhe umas faxinas. Falei com meus Grupos no Watts up. Uma pessoa se dispôs a ajudá-la. Encaminhou-a para trabalhar em três residências, mas ela compareceu apenas em uma. Indiquei-a para minha irmã, que permitiu que ela levasse as crianças para brincarem na varanda, enquanto trabalhava. Mas a mana ficou decepcionada com a qualidade dos seus serviços. Depois disso, cortei relações com essa moça, porque percebi que ela estava usando os filhos para tentar obter facilidades. Hoje, `depois das 20 horas, apareceu-me um homem alto, forte, em torno de 45 anos. Vinha pedir medicamentos (ervas para chá). Não havia dormido na noite anterior com fortes dores nos rins. Pelo jeito, chegou ao abrigo há poucos dias. Parecia ansioso também. Trouxe esposa e dois filhos. "Tenho três meses para arranjar trabalho e deixar o abrigo. Os aluguéis estão muito caros." A esposa é epilética. Na Venezuela tratavam-se com ervas medicinais. Procurei ajudá-lo, orientando sobre o preparo do chá de cavalinha com cana do brejo. Dei-lhe também um molho de macelinha para que a esposa tivesse um boa noite de sono. Contou sobre os riscos de vida que correu por ter se rebelado contra o regime de Maduro. Mas interrompeu a própria fala para se despedir. Deve ter sido doloroso falar sobre sua própria história.
Sandra Fayad Bsb
Enviado por Sandra Fayad Bsb em 29/12/2021
Alterado em 01/01/2022
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