MEU PAI
Nasceu em Catalão em 1915, onde morou até o começo de 1970. Durante todo esse tempo trabalhou como auxiliar de caixeiro viajante, pedreiro, comerciante e agricultor. Assim como seu pai Abrahão, o segundo imigrante árabe a chegar na cidade, não ambicionava bens materiais. O conforto mínimo para si e para os seus era o suficiente. Se alguém ficava lhe devendo e não pagava, “era porque não podia”. E ponto final. Mas trabalhava com afinco para nunca faltar alimento em quantidade e qualidade para todos: enquanto solteiro - eram os pais e irmãos; depois - a esposa e os filhos. Contador de causos, carismático e confiável não se deixava abater pelas dificuldades. Na sua relação com o mundo, abria facilmente portas trancadas a sete chaves e seguia.... Muitas histórias divertidas e interessantes, gestos de gratidão e reconhecimento são relatos sobre sua trajetória social e folclórica. Apertou a mão de três Presidentes da República, alguns Governadores e Prefeitos, aos quais impressionava pela transparência e autenticidade. Alguns iam à sua casa almoçar ou tomar um cafezinho, ouvindo sem pressa os seus causos.
Partida – Catalão ...................Destino - Brasília
Desde os primeiros momentos da instalação sentiu-se atraído pela Nova Capital. Como tantos outros brasileiros, percebeu que havia possibilidades para oferecer sua coragem, seu empenho e seu suor em troca do conforto ainda não conquistado para a família. No interior as oportunidades de trabalho bem remunerado estavam cada vez mais raras. Por outro lado, a necessidade de alimentos e serviços dos trabalhadores na construção de Brasília eram fortes aliados para as suas pretensões. Comerciante nato, saía em seu velho caminhão todas as semanas da cidade de Catalão, a trezentos e vinte quilômetros de distância, transportando as encomendas e o que conseguia reunir nas fazendas da região para alimentar as bocas trabalhadoras no novo empreendimento. Estrada de terra batida, com trechos esburacados e desbarrancados, temporadas de chuvas torrenciais, noites tentando tirar o veículo do atoleiro, acidentes. Nada disso lhe tirava o ânimo. Transportava de feijão e mandioca a ovos e galinha viva. Mal chegava às feiras livres tudo era rapidamente vendido. E retornava...
Finalmente mudou-se com a família - esposa e quatro dos seis filhos para um barraco de madeira em Sobradinho, no Distrito Federal. Em meados de 1970 transferiu-se para outro barraco no Cruzeiro Velho, onde conseguiu comprar a Cantina de Obras, a que deu o nome de Mercearia Nosso Lar. Mais tarde comprou também uma banca na feirinha. As condições ainda precárias só o estimulavam a trabalhar mais e mais, indo e voltando com mercadorias. Queria conquistar o sonhado lugar ao sol como os demais candangos. Solidarizou-se e compôs com outros feirantes, cedeu e negociou seus produtos, tendo como documento apenas a confiança, o fio da barba. Fez grandes amigos e comprou a casa, onde morou nos seus últimos 37 anos de vida. Para viabilizar o negócio, teve que vender a sua ferramenta de trabalho – o velho caminhão. Retornou à profissão de construtor. Reformou a casa, construiu outros prédios com as próprias mãos em terrenos que foi adquirindo no mesmo bairro – o seu querido Cruzeiro Velho. Juntamente com a esposa e os filhos continuou na atividade comercial, cada vez mais próspera.
Lamentavelmente, Deus levou-lhe a companheira, no momento em que iam começar a colher os frutos do trabalho árduo de tantos anos.
Às vésperas do seu aniversário de noventa e um anos, sentia-se quase realizado. Voltara à profissão de agricultor, cultivando uma hortinha onde aplicava as modernas técnicas aprendidas nos cursos do SENAR-DF, do qual foi aluno e se diplomou aos oitenta e um anos. Havia mais planos! Um deles era concluir um livro contando sua saga, recheado de histórias curiosas. Infelizmente não deu tempo. Faleceu em janeiro de 2007, deixando parte do livro gravado em fitas K-7. Mas em 2013 a obra foi publicada com o título “Histórias de Jorge, o Batuta”, que foi lançado simultaneamente em Brasília e em Catalão, sua cidade natal. Conheça mais sobre nosso herói pioneiro, lendo-a. Aquisição diretamente com a autora desta matéria.