Didico Cotta
Por Sandra Fayad
Ninguém entendia o porquê de terem lhe dado o nome de Setembrino, já que havia nascido no dia 13 de dezembro, no interior de Minas Gerais, mais precisamente no Município de Divinópolis. Lá para aquelas bandas, onde é muito comum os apelidos, Setembrino ficou conhecido com Didico e casou-se com Eugênia, a Genica, moça recatada e religiosa. O primeiro filho nasceu em Córregos no ano de 44, em plena Segunda Guerra Mundial. Depois vieram os outros, no total de seis – dois rapazes e quatro moças.
Como bom mineiro do interior Didico gostava de um boteco e de uma cachacinha com torresmo e linguiça. Durante a instalação da Capital do País no Planalto Central seguiu a rota de milhares de brasileiros, principalmente porque a situação financeira da família estava muito difícil. Sem trabalho e sem perspectivas de emprego ou renda, Didico bebia demais. Genica gostou da ideia de se mudarem. Seria uma chance do marido se distanciar daqueles amigos beberrões. Pegaram o pouco que possuíam, os filhos e vieram para Brasília em 1958. Por serem da terra de Juscelino Kubitschek e também por Didico pertencer à TFM (Tradicional Família Mineira), não foi difícil ser admitido na área administrativa do Quadro de Pessoal da Novacap. Embora seu cargo fosse humilde, garantia um bom salário e o direito a um barraco na Vila Metropolitana ( Vila dos Engenheiros).
Didico era um homem miúdo, simpático, educado, bem informado. Gostava de ler e receber as pessoas em casa, oferecendo-lhes o café da Genica, que mais se assemelhava a chafé.
A nova vida em Brasília não lhe tirou o hábito de frequentar os botecos, até porque nos primeiros tempos da Vila não havia outra diversão para os candangos. E Didico se afundava no conhaque com os colegas da Novacap que também gostavam de biritar. À medida que o álcool assumia o controle da sua vida, ele se transformava em uma pessoa descontrolada, agressiva.
Em várias oportunidades, caçou confusões na rua com outros frequentadores dos bares, com policiais, com vizinhos. Fazia intermináveis e repetitivos discursos, irritava as pessoas ao ponto de ocorrerem reações verbais e até físicas. Caía, era atropelado, feria-se. Ao ser atendido em hospitais, torcia a mão ou chutava os atendentes.
Genica punha-se a rezar o terço, a fazer promessas, a esperar um milagre. Os filhos sofriam com as agressões do pai e assistiam às cenas hilárias ou tensas entre amedrontados, envergonhados, revoltados. A situação chegou ao nível insuportável. Colocaram o Didico em uma camisa de força e o internaram na Clínica São Miguel lá para os lados de Luziânia.
Naquela época os tratamentos eram radicais. Se o paciente entrasse mais ou menos doido, saía doido por completo, isto se saísse. Didico saiu. Fez acompanhamento psiquiátrico. Quando eu o conheci, não bebia há quatro anos. Um gentlmam. Fora abençoado com uma neta.
No dia 11 de dezembro daquele ano ganhou de presente a segunda neta. Torcia para que nascesse dois dias depois...
Estava feliz.
No ano seguinte, resolveu dar um presente à Genica. Levou-a a Minas para visitar os parentes. Foi o que bastou para voltar a beber. Na volta Genica se lamentava: “ Se eu soubesse disso, teria preferido morrer sem rever meu pai”. Voltou a ser internado, mas mal saía da Clínica mergulhava na cachaça. Resistia aos tratamentos, não dava ouvidos a ninguém. Ameaçava se matar como já não estivesse fazendo isso aos poucos.
Os moradores dos barracos da Vila Metropolitana foram transferidos para M Norte – Taguatinga. A família se mudou, mas os filhos se dispersaram. Genica preferiu continuar rezando na casa de uma das filhas, porque se tornara arriscado permanecer junto ao marido em estado permanente de embriaguez.
Por fim, depois de três dias sem notícias do bisavô dos meus netos, abriram a porta da casa na M Norte e o encontraram sem vida.
Brasília, 13-12-2017