MÃE-TERRA
Sandra Fayad
- Alô, Mãe-Terra!
- Como vai, filha? Que bom que me ligaste!
- Estás ocupada?
- Sim. Mas não te preocupes. Posso interromper um pouco.
- Liguei para contar que hoje acordei com vontade de escrever uns versinhos para a senhora. Quer ver?
- Ah, quero sim.
“Mais quente que Marte
Menos fria que Vênus
És da vida o baluarte
És a pátria dos terrenos.”
- Que honra! Muito obrigada, filha.
- Mereces muitas homenagens por tudo o que nos tem dado e por todos os sacrifícios, que só uma mãe dedicada é capaz de fazer. A propósito, como anda a tua saúde?
- Ih, esse assunto é pra mais de légua...
- O que foi? Tens mania de esconder as dores embaixo do Manto Inferior. Mas agora quero que me contes tudo.
- São dores por toda a natureza, desde o pólo norte até o pólo sul. Cada dia, fico mais destemperada. Ora me derreto de calor, ora me encolho de frio, independentemente das estações. Às vezes, sinto muita febre. Vem lá do meu Núcleo Interno em direção à Crosta. Ardo em brasas vulcânicas. Dizem os Raizeiros da Amazônia que estou entrando na menopausa. Ando intoxicada com a poluição também. Sinto muita falta de ar. Reclamei sobre essa fumaceira tóxica, mas os donos das indústrias contestaram. Dizem que é frescura minha e que precisam produzir novos materiais a baixo custo, para fazer a economia dos países crescer, enriquecer, progredir. Já não consigo amamentar a fauna, nem nutrir as raízes da flora. Elas não estão se adaptando aos sabores ácidos do meu leite doce ou salgado. Muitas espécies importantes já foram extintas e outras estão em fase de extinção. Para completar, agora apareceram umas alergias, que rasgam minha camada superficial, criando fissuras por toda Crosta. Chamam isto de erosão. Estou fragilizada e feia, filha.
- Isso é grave. Você já consultou os Especialistas da Medicina?
- Alguns estão realmente preocupados – são filhos amorosos como tu. Querem eliminar as influências externas que estão me prejudicando por dentro, querem fazer campanhas a favor da vida, mas esbarram em tanta burocracia, em tantos interesses econômicos, que muito pouco conseguem fazer. Outros enfiam suas cabeças em laboratórios de pesquisa, para buscarem fórmulas químicas mágicas. Querem modificar minha corrente sangüínea, controlar meu temperamento. Acham que minha força precisa ser domada, moldada aos desejos dos grandes interesses internacionais. Coitados! Pensam que sabem tudo sobre mim e que vão controlar meus sopros e espirros sobre mares e montes ou os fluxos e refluxos das minhas marés. Se saio arrebentando tudo pela frente e soltando faíscas por toda a parte, é porque não me respeitam. Não vêem que essas reações são conseqüências dos seus erros do passado recente. Esquecem que sou eu a mãe, a provedora das suas necessidades, a própria subsistência deles e de seus descendentes.
- Já disseste isto a eles?
- Já lhes disse que se eu sucumbir, irão junto comigo. Já expliquei também que só necessito de tratamento fitoterápico e que podem abandonar suas fórmulas mágicas, pois nada substituirá o tratamento natural. Minha recuperação está nos cuidados com meus pêlos verdes, minha crosta, meus minerais. Basta que os preservem e os usem racionalmente.
- E o que responderam?
- Rebelaram-se. Disseram que tem planos para me depilar toda. Precisam viabilizar obras gigantescas como o túnel que vai da América do Norte à Europa. Querem também esgotar a exploração de matéria-prima da minha crosta, para construir mais usinas, mais veículos, mais cidades. Estão loucos porque o petróleo está acabando.
- Fizestes algum exame de saúde?
- Sim. Fiz uma densitometria. Descobriram que minha estrutura mineral está bastante comprometida, por causa do crescimento desordenado das cidades e do uso inadequado do solo. Chamam isto de terrosteoporose. Os exames mostraram também que o gás ozônio está me causando radiação ultravioleta, com lesões irreversíveis na minha crosta, e queda da capacidade imunológica.
- Com tudo isso, ainda consegues trabalhar?
- Mais ou menos. Já não posso plantar onde estou e nem colho o que planto onde consigo plantar. Os que pensam no seu futuro e, consequentemente, no dos seus descendentes, protestam a meu favor, porque sabem que estão e estarão sempre ligados a mim pelo cordão umbilical. Mas a grande maioria não se importa. Quer viver apenas hoje. Comporta-se como se fosse imortal. Nem mesmo com as gerações futuras quer compromissos. Eles dizem que quando eu não servir mais para nada, vão se mudar para outro planeta. Estão de olho em Marte.
- Mas lá não é muito frio?
- É. Mas estão procurando um jeito de torná-lo habitável. Vê como são as coisas! Passei milênios dando-lhes o pão de cada dia e eles não reconheceram a minha dedicação e o meu desprendimento. Nunca me disseram: - Muito obrigado, Mãe-Terra. Ao contrário, agiram como filhos ingratos e insaciáveis. Sempre acharam pouco o que eu lhes oferecia. Extraíram de mim o que eu tinha de melhor. Destruíram gerações e gerações da minha fauna e da minha flora. Fiquei pobre e doente. Quando meu estômago começou a se revirar, com enjôos pelas porcarias que me fizeram engolir, comecei a vomitar. Vomitei e ainda devo vomitar muito mais detritos e lavras. Estou muito desgostosa e cansada. Talvez seja melhor mesmo que saiam da barra da minha órbita. Quem sabe, depois disso, eu ainda tenho alguma chance de me recuperar?.
- Não fica assim tão triste, Mãe-Terra. Olha, nós poetas, estamos preparando uma festa especialmente para ti. Vamos protestar veementemente contra os maus-tratos dos nossos irmãos, trabalhar para abrir-lhes os olhos, provocar mudanças significativas.
- Obrigada, filha.
- Não há de quê. É minha obrigação. Bem, para encerrar esse telefonema, aí vai mais um versinho para alegrar tua noite:
“ Dorme em paz, Mãe-Terra querida
Que a deusa Gaia te vele os sonhos,
Resgate nos teus filhos o respeito à vida
E devolva à natureza seres risonhos”.
Sandra Fayad Bsb
Enviado por Sandra Fayad Bsb em 07/05/2007
Alterado em 02/04/2015