NÉLIO, O GIGOLÔ (*)
Sônia nasceu em 1977, em uma família da raça negra, na Vila Tenório, cidade satélite do Distrito Federal. Seu avô veio do nordeste e foi um dos pioneiros na construção da nova capital do Brasil. Ela, o irmão e a irmã foram educados em um dos seguimentos dissidente da religião cristã original. Com o empenho dos pais e avós concluíram o ensino médio em escolas públicas, e, pelo sistema de cotas raciais, as moças conseguiram aprovação na Universidade de Brasília, onde optaram por diferentes cursos na área de humanas.
Abadia, a irmã mais velha, é a mais temperamental dos três. Aos 39 anos, alta, gorda, solteira, servidora de uma empresa pública, considera-se sábia o suficiente para ditar regras de comportamento. Prega normas de boa convivência, inclusive para os relacionamentos amorosos, e lembra que o diabo está vigilante para destruir quem não se conduz pelos caminhos da sua doutrina. Dizem até que tem pacto com o dito cujo.
Joel, o irmão, é mais tranquilo. Com 37 anos, também alto, forte, casado, técnico em eletrônica, alerta as moças para as novas companhias masculinas que podem tentar enganá-las, especialmente quando a oferta é gorda.
Os pais, humildes e confiantes de que conduziram as filhas já formadas para o melhor caminho, foram morar em uma chácara, deixando a elas a responsabilidade de cuidarem da casa na cidade satélite.
Sônia nasceu com disfunções na glândula hipófise, o que provocou alterações nos hormônios estimulantes da tireoide e folicular, comprometendo seu crescimento e desenvolvimento normais. A estatura e peso corporal, na fase adulta, caracterizam-na como mulher franzina. As pernas muito finas e tortas, a boca grande para os contornos do rosto e o estrabismo não puderam ser corrigidos na infância.
No entanto, esforça-se por parecer bonita usando roupas da moda e sapatos com salto altíssimo. Alisa e pinta os cabelos com mechas louras, procura cobrir suas deficiências com sorrisos e gestos simpáticos. Aprendeu a tocar flauta e dedica horas do seu dia à música. Nesse esforço para se mostrar aos homens, conseguiu que Nélio puxasse assunto com ela em uma missão doutrinária na zona rural do município de Formosa. Contou-lhe que havia se formado no magistério, acabara de pagar as prestações do seu primeiro carro automático, estava comprando uma casinha popular e já possuía poupança para fazer melhorias na casa, quando a recebesse dali a um ano.
Nélio, que era novato na congregação da cidade satélite vizinha à sua, foi parar ali conduzido pelas mãos de um casal conhecido – seu irmão Beto e a esposa Alice – que queriam agradar aos líderes do movimento apresentado novos fiéis, especialmente da família. Chegou com a roupinha surrada, olhar triste, voz baixinha e suave, o que despertou em Sônia o desejo de ampará-lo, orientá-lo e protegê-lo, assim como faz uma boa mãe. Ele, atento e muito esperto, aceitou de bom grado aqueles bracinhos frágeis e a pediu em namoro, com os aplausos da família, que resolveu investir mais uma vez na missão de casá-lo, depois de muitos fracassos.
- Com casa, carro e mulher, a vida está resolvida – pensou ele rapidamente.
Acontece que seu irmão Beto sabe que ele tem um passado ruim e que sua recuperação é trabalhosa. De menor infrator até a característica diagnosticada de indivíduo bipolar, portador de psicopatia leve, a família havia passado por muitos transtornos. O mais grave foi seu envolvimento em um processo criminal por causa de uma briga durante a prestação do serviço militar. Por esta razão, tentava em vão, há quinze anos, obter o certificado de reservista, pré-requisito para possuir título eleitoral, passaporte e registro trabalhista em qualquer empresa pública ou privada. Por isto sempre que trabalhou foi na informalidade, onde até hoje recebe remuneração variada e de procedência duvidosa. Quando está bem abastecido de dinheiro ajuda nas despesas da casa, compra roupas, cremes e perfumes e sai com amigos para se divertir. Sem dinheiro, fica deprimido, agressivo, mal humorado. Grita com as pessoas, xinga a mãe dos outros, bate no irmão mais novo ou fica horas trancado no quarto. Às vezes desaparece por um ou dois dias, deixando toda a família apreensiva. Tem necessidade de sentir-se sempre o melhor e o mais importante no meio em que vive. Por esta razão, criticá-lo é feri-lo de morte. É mentiroso contumaz. Inventa emprego, renda, amigos e fãs, conta histórias do sucesso dos outros como se fossem suas. Seu sonho é fazer parte da nata da sociedade como o personagem Giovanni Improta.
Destoa da postura refinada dos mais educados. Isto ora lhe causa revolta, ora lhe causa frustração. Na sua luta para atingir o ápice social conseguiu morar, estudar e prestar serviços leves por três anos na casa de uma família em um bairro nobre, onde havia conforto, gentileza e alguma projeção social. No entanto, não se firmou ali porque, com o passar do tempo, a vida na periferia o atraiu de volta, como um imã. É que descobriu aquele templo cheio de mulheres, onde circulava muito dinheiro e onde não precisava se esforçar para ser socialmente aceito.
Um belo dia, numa reação radical, agrediu com palavras rudes os moradores da residênciaque o haviam acolhido, abandonou o trabalho, os novos amigos, pegou todos os seus pertences e retornou ao seu status anterior e aos velhos hábitos domésticos, com um pouco mais de tarimba.
Ao vê-lo chegar a casa com a mudança, a mãe suspirou e disse:
- Valha-me Deus! Vai começar tudo de novo.
Coube ao irmão, à cunhada e suas duas irmãs, que o haviam rejeitado para namoro, a tarefa de convencer Soninha que Nélio seria o melhor marido do mundo. Mas ela começou a ficar apreensiva. Vinha observando alguns fatos com os quais não está de acordo. Um deles é que, embora o irmão de Nélio tenha emprego formal, é a esposa que mantém a casa do casal. Foi ela que comprou o apartamento onde moram, que o mobiliou e que paga as prestações do carro. É ela que faz as despesas de rotina e as de viagem do casal e que, ainda, ajuda os sogros nos momentos de aperto financeiro, não lhe sobrando nada do salário de nível médio no cargo público que ocupa. Por mais que disfarce e diga que é feliz, vive tendo enxaquecas e dores musculares. Depois de casada já fez três pequenas intervenções cirúrgicas.
Sonia estava insegura e desconfiada que os familiares de Nélio lhe ofereciam um ovo podre. Por esta razão, saiu em busca de mais informações sobre aquele rapaz tão gentil e carinhoso, por quem também estava bastante afeiçoada. Pensou que era mais prudente colocar a razão acima das emoções. Sua condição de mulher franzina era um empecilho. Mas lutou contra a maré. Foi atrás.
Queria saber quais eram as verdadeiras intenções de Nélio. Descobriu que ele copiava o irmão casado. Mas já era tarde. Sonia estava grávida.
(*) ficção!
(*) Pessoa que fica, namora e se relaciona com outra pessoa por interesses financeiros. Geralmente é uma pessoa que não trabalha e se aproveita do parceiro(a).