ASA NORTE X ASA SUL
Relatos dos que tiveram a oportunidade de conhecer e trabalhar com o Arquiteto Lúcio Costa dão conta de que ele era detalhista e exigente. Jamais iria pecar na simetria do traçado das linhas do Plano Piloto de Brasília. Portanto, em princípio, a Asa Norte é um bairro fisicamente igual à Asa Sul. No entanto, depois de quase meio século de existência formaram-se diferenciadas características no interior de cada uma delas, que só quem vive na cidade consegue perceber claramente. Tornaram-se comuns brincadeiras e até alguma rivalidade entre seus moradores, embora não possuam times de futebol próprio.
Certa vez, convidei o colega Jota Efe que morava na SQS 405, para conhecer meu apartamento na SQN 314, ao que ele respondeu:
- Obrigado pelo convite, mas não vou. Você mora muito longe. Lá para mim é quase zona rural.
Ao que retruquei:
- Segundo Saint Exupèry "Longe é um lugar que não existe". Além disso, minha Quadra e meu Bloco são bem mais novos que os seus.
Claro que isto foi apenas uma brincadeira entre amigos.
Algum tempo depois, tive bons motivos para “mangar” dele, porque comprou não apenas um, mas dois apartamentos na Asa Norte, bem pertinho do meu e veio morar em um deles.
De fato a Asa Sul é mais tradicional porque foi construída antes da Asa Norte. Nos primeiros dez anos da Nova Capital, quase tudo se concentrava lá onde moravam os servidores públicos mais graduados que vieram transferidos do Rio de Janeiro. Basicamente as lojas, restaurantes, pousadas, escritórios, cinemas (exceto os do Setor Comercial Norte, onde também existiam boates, cinemas) concentravam-se na Avenida W3 Sul.
Na Asa Norte havia aqui e ali Blocos de apartamentos nas quadras 400, 312, 306, ocupados por estudantes e professores da Universidade de Brasília (UnB). Os prédios ficavam isolados e escondidos no meio do capinzal que chegava a três metros de altura. Sentíamos medo ao embrenharmos pelas trilhas daquele matagal para levar ou apanhar encomendas ou visitar um conterrâneo.
Como ainda não havia as mansões do Lago, o chique era morar na Asa Sul.
Acontece que, com o passar do tempo, observou-se que essa Asa apresentava alguns defeitos de fabricação como, por exemplo, o fato de não haver comércio nas quadras 700. Lembro bem que, quando incrementaram a construção da Asa Norte, para estimular a compra dos imóveis, os corretores diziam:
- Serão corrigidos os defeitos existentes na Asa Sul. Haverá comércio nas 700 e as construções serão com material de boa qualidade, bem acabadas e o estilo será mais moderno.
A argumentação impressionava porque a maioria dos prédios da Asa Sul foi construída "na carreira". Embora os apartamentos fossem espaçosos, as fachadas dos prédios eram feias e até apresentavam rachaduras.
Então o pessoal de lá retrucava:
- Estão construindo verdadeiros cubículos na Asa Norte. As cozinhas emendadas com as áreas de serviço são tão pequenas que só cabe uma pessoa de cada vez.
As lojas das Quadras 700 Norte valorizaram bastante os imóveis residenciais próximos, deixando mais contrariados os moradores das 700 Sul, que continuaram tendo que ir longe para comprar um simples pãozinho.
Depois que surgiram os Shoppings Center e as grandes redes de supermercado em ambos os bairros simultaneamente, a animosidade diminuiu. No entanto persiste a tendência dos moradores de um lado preferir que o amigo ou parente do outro lado vá ao seu encontro no bar ou restaurante mais próximo de sua casa. Há também indisposição para atravessar de automóvel do final de uma para o final da outra Asa, por causa da grande quantidade de semáforos e pardais colocados especialmente nas Avenidas W3 e L2.
E pensar que cada Asa tem apenas oito quilômetros de extensão por três de largura, interligadas pelo famoso Buraco do Tatu (*).
Fato é que, assim como no avião (transporte), as Asas traçadas por Lúcio Costa são irmãs gêmeas, univitelinas e dependentes entre si; o povo que as habita, trabalha ou estuda aqui é tão somente o simpático brasiliense.
(*) passagem central subterrânea do Eixo Rodoviário por onde circulam veículos automotivos.