O PAPEL DO TCU E O DIREITO DO SERVIDOR PÚBLICO
Sandra Fayad
Inicio este texto citando alguns dispositivos legais, para melhor entendimento do relato.
1 - O art. 74, § 2º, da Constituição Federal estabelece que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.
Cabe também ao TCU apreciar a legalidade dos atos de admissão de pessoal e de concessão de aposentadorias, reformas e pensões civis e militares.
2 - A Lei nº. 8.112/90 dispõe sobre o regime jurídico ÚNICO dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Lá, no artigo 193, foi escrito o seguinte: “O servidor que tiver exercido função de direção, chefia, assessoramento, assistência ou cargo em comissão, por período de 5 (cinco) anos consecutivos, ou 10 (dez) anos interpolados, poderá aposentar-se com a gratificação da função ou remuneração do cargo em comissão, de maior valor, desde que exercido por um período mínimo de 2 (dois) anos.
E’ o meu caso. Em fevereiro de 1997, fiquei prejudicada em relação a esse direito e passei todos esses anos tentando restabelecê-lo, em vão.Depois de várias ações infrutíferas e o processo rolando de um lado para outro, descobri, há alguns dias, que o “gorducho” está “em ser” há dezesseis meses no Gabinete de um Ministro do TCU. Solicitei à respectiva Ouvidoria mais informações a respeito. Imediatamente colocaram-me em contato com o servidor que está examinando o caso.
- Que maravilha! Vou falar diretamente com o Analista. Quem sabe desta vez consigo agilizar a solução, pensei.
Durante cerca de quarenta minutos, o rapaz ouviu pacientemente todas as minhas indagações, afirmações, reclamações e outras “ções”. Por fim, cordialmente, prestou os esclarecimentos que julgou cabíveis.
No dia seguinte, retornei à Ouvidoria com o seguinte texto:
Prezados Senhores,
Obrigada pela gentileza do encaminhamento ao Gabinete do Ministro.
Recebi os esclarecimentos de praxe e também informações bombásticas. Percebi que o analista entendeu perfeitamente o que desejo e demonstrou preocupação com o meu futuro incerto. Na condição de servidora pública que sempre fui, sei que a boa vontade e o senso de justiça da maioria de nós esbarram em fatores como preocupação com a ascensão funcional, hierarquia, hipocrisia, casuísmos, orientações e as mais variadas interpretações das Leis...os Acórdãos...as Decisões... os Regulamentos... etc.
Só quero que me paguem o que manda a Lei.
Lá está escrito com todas as letras o que é que eu tenho direito e a interpretação do que está escrito é inelástica. Não há outra.
Mas se eu, ingenuamente, estava supondo que passaram os últimos dezesseis meses examinando como pagar-me o valor previsto no dispositivo legal, posso tirar o cavalinho da chuva. Estão examinando se a documentação está conforme com processo as regras processuais e se na redação do documento de aposentadoria foram cumpridas as formalidades administrativas pertinentes, tendo em vista um monte de orientações, pareceres, decisões, modelos, etc.
Eureca! Acabaram descobrindo que não.
- Concluímos que a documentação contém vícios processuais. É provável que seja devolvido ao Órgão de origem para correções.
- Mas, e o dinheiro que eu tenho direito de receber e que subtraíram dos seus proventos para engordar o Erário (mensalão, valerioduto, bingos, propinas)?
- Ah, essa parte não é da nossa alçada Não podemos determinar ao Órgão que recalcule valores que vão onerar o Erário. Na área administrativa, não vejo possibilidades de êxito à sua pretensão.
- E quem pode determinar que me paguem o que me é devido?
- Vá para a Justiça.Impetre Mandado de Segurança, Liminar, mova uma Ação contra o Estado.
A solução não poderia ser melhor para o Órgão Fiscalizador das Contas Públicas e que tem a competência de julgar os Atos praticados pelos gestores do dinheiro dos cidadãos. Lavam as mãos e jogam os reclamantes aos leões sob a batuta da Toda Poderosa Advocacia da União, lotada de juristas muito bem remunerados, que constantemente “ferram” os colegas com outra formação profissional e quase todo mundo que tem créditos junto ao Governo Federal.
Se eu fosse um pouquinho mais idiota, contrataria um advogado picareta, que, de cara, abocanharia os meus proventos do mês, a título de custas iniciais, com um brado semelhante ao do torcedor fanático pela seleção brasileira, em época de Copa do Mundo: "Vamos Vencer"!
A mídia vem noticiando, entre outras, as armações para aposentar o Deputado José Janene, com o objetivo de livrá-lo da cassação pela CPI do Valerioduto.
Concluí que, além de ingênua, sou burra. Como é que não pensei nisso? Lá na Constituição está dito que cabe ao TCU “apreciar” a legalidade dos atos... Deve ser algo assim como admirar a queda de um avião ou a explosão de um carro bomba. Ou será que significa ver o espetáculo sol nascente ou a beleza de uma cachoeira?
Infelizmente, convivi com os casuísmos e os interesses escusos que estão nas entrelinhas da Administração Pública. Em situações similares há, por exemplo, decisões antagônicas emitidas pelo próprio TCU. Ora contempla com elevadas vantagens financeiras os apadrinhados, ora as nega aos pagãos. No meu caso, que não fui batizada por políticos influentes, fui informada pelo colega lá do Gabinete do Ministro que os errinhos no processo podem fazer o feitiço virar contra a feiticeira. Há possibilidades de que o "mau caráter" que redigiu, ou mandou redigir o Ato, tenha ficado com a consciência tão pesada, que computou uma esmolinha a mais para mim, tipo cala-boca.
E agora, o TCU, que tem a missão de colocar moedinhas no cofrinho para engordar cada vez mais o porco Erário, deve mandar corrigir. Se isso implicará em alteração de valores para mais ou para menos,
- Cabe ao Órgão de origem retificar e recalcular, disse-me ele.
Se for para menos, vão concluir que eu estou ganhando mais do que pretendiam pagar-me. Então serei intimada a devolver o excesso que recebi, durante todos esses anos. Podem até bloquear pagamentos futuros. Corro o risco de ter que vender minha casa para saldar a dívida para com o Sr. Erário. Já me vejo embaixo da ponte ou montando uma barraquinha na feira para entregar os trocadinhos ao Posto de Abastecimento do Valerioduto & Associados.
Claro que, se isso acontecer, sou capaz de fazer um estrago porque, afinal de contas, nada mais terei a perder.
Talvez eu entre para as estatísticas de ocorrências policiais.
Mas não tem a menor importância, porque a culpa não é do seu colega, nem do que analisou, calculou, encaminhou, concluiu, negou, julgou o caso. Todos permanecerão com a sensação do dever cumprido.
As responsabilidades foram tão diluídas na longa tramitação do processo, que se tornaram impessoais. Dos que colocaram as mãos sobre ele, muitos já foram embora, mudaram de setor, de função, de emprego, de Poder.
Se eu morrer, os que falaram comigo e os que se lembrarem do caso dirão que eu era desequilibrada, louca, problemática, coitada.
Talvez minha família se lembre de mim nos vinte anos que se seguirem, como tendo sido alguém que nadou, nadou e morreu na praia.
- Gostaria que vocês fizessem de conta que nunca procurei o TCU.
Melhor seria se houvesse aí alguém com coragem para executar a seguinte receita:
Derrame um pouquinho do álcool, que a faxineira usa para limpar os móveis, sobre o processo. Acenda, em seguida, um fósforo ou deixe cair uma brasinha de cigarro, disfarçadamente, sobre ele.
- Não! Não vai dar certo. Aí tem aqueles sensores de calor.
- Que tal derramar a garrafa cheia de café vagarosamente sobre os documentos?
- Também não dá. Há um setor especializado em restaurações.
- Façam uma mágica! Inventem um jeito de sumir com ele!
Eu não quero mais nada. Juro que está tudo ótimo.
Nunca pensei que eu minha renda fosse tão alta.
(Texto publicado também no Jornal'Ecos de Literatura Lusófona)
Sandra Fayad Bsb
Enviado por Sandra Fayad Bsb em 01/05/2006