Texto: Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa (Editora Nova Fronteira, EdiçãoComemorativa dos 50 anos, em tiragem de 10.000 cópias, 2006,553 páginas).
- texto deslumbrante, uma obra-prima da literatura brasileira: no começo, parece impenetrável, escrito em dialeto jaguncês, só para os iniciados. Aos poucos, a narrativa vai delicadamente se revelando, abrindo os seus segredos, a sua enorme engenhosidade, a sua beleza. O autor, João Guimarães Rosa, nasceu em Cordisburgo,Minas Gerais, em 1908, e morreu no Rio de Janeiro, a 19 de novembro de 1967. Médico formado em 1930, seguiu a carreira diplomática e escreveu o primeiro romance, Sagarana, em 1946, aos 38 anos. No texto do Grande Sertão: Veredas tudo é sutil e colocado em forma bruta, a ser lapidado e cultivado. O ambiente, nos sertões das Gerais, é habitualmente inóspito, duro, de lutas e guerras: é matar e morrer. Tentar escapar e viver: “viver é negócio muito perigoso”. O amor está lá por inteiro, delicadamente, maneiroso, no meio da brutalidade, no meio das traições, das guerras, da morte. Riobaldo, Tatarana : o narrador único, fica circulando por todos os espaços, atuando como intérprete de tudo. Com muita sutileza: “eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.” A linda história de amor entre Riobaldo e Diadorim perpassa toda a narrativa, de forma delicada e perene. Diadorim - homem,mulher, a companhia de todos os instantes de Riobaldo. São muitos os personagens do livro: Joca Ramiro,Zé Bebelo, Quelemém, Medeiro Vaz, Hemógenes, Ricardão e muitos outros. No centro de tudo a presença de Deus,
do demo, do jagunço. Uma epopéia esplêndida, com os costumes, a vida, os conflitos , as lutas, aventuras e desventuras do sertão. Uma viagem inesquecível, sem destino, uma realidade diferente,impactante,
“uma torre de Babel” - surpreendente, musical, cheia de poesia, fascinante. Riobaldo e Diadorim, amigos fraternos, paixão misteriosa e intensa, vivendo a paz e a guerra. Amor sutil, ambíguo. São antológicas algumas passagens do livro: a cena grotesca dos jagunços, às gargalhadas, ensangüentados na boca, palitando os dentes com a faca de ponta, afiada. Marcante, também, a descrição do “julgamento justo” do Zé Bebelo, sob o comando do Joca Ramiro. A leitura do texto não é farefa fácil: exige dedicação. È como alerta Afonso Arinos de Melo: “Cuidado com este livro, pois Grande Sertão: Veredas é como certos casarões velhos, certas igrejas cheias de sombras. No princípio a gente entra e não vê nada. Só contornos difusos, movimentos indecisos, planos atormentados. Mas aos poucos, não é a luz nova que chega: é a visão que se habitua. E, com ela, a compreensão admirativa. O imprudente ou sai logo, e perde o que não viu, ou resmunga contra a escuridão, pragueja, dá rabanadas e pontapés. Então arrisca-se a chocar inadvertidamente contra coisas que, depois, identificará como muito belas.”
Obs.: Publicação autorizada pelo autor do texto.