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Sandra Fayad Bsb
Minhocário de Palavras
Textos

Desde criança tenho dificuldades para lidar com matança de animais. No início sofria horrores com o método utilizado para matar frangos na fazenda. Pegavam o animalzinho desprevenido no quintal e o giravam várias vezes pelo pescoço. Depois o soltavam no chão agonizante até que se aquietasse sem vida, sob o triste olhar das demais aves. Com a morte de um deles, caía o silêncio na área, enquanto todos se afastavam a passos lentos. Em seguida vinham com uma bacia de água quente, onde depenavam e destrinchavam o morto. Esse processo era também horrível, porque durante a depenação era possível sentir, à distância, um cheiro insuportável, bem característico das penas arrancadas.

Lá havia um chiqueiro com porcos de tamanho e de peso diferentes. Dentro do cercado, os cochos eram imundos, cheios de larvas, moscas azuis, barro, fezes. Alguns deles eram castrados para facilitar a engorda. De tempos em tempos escolhiam um "capado" para o sacrifício, porque a família estava ficando sem carne e sem banha para cozinhar. O processo de matança do porco era também horrível. Pegavam o facão e ia sangrar o animal, que gritava desesperado. Não sei como era o procedimento, porque eu nunca tive coragem de ver. Depois de morto esquartejavam conforme o costume e levavam para a casa, Parte ia para um tacho no quintal, outra parte era moída e virava linguiças, que, depois de prontas, eram penduradas em um varal sobre o fogão à lenha para terminar de secar na fumaça. Não havia luz elétrica, nem geladeira. As carnes, depois de cozidas na banha, eram separadas por tipo e colocadas em latas de 20 litros com tampa. Quando a banha esfriava cobria a carne completamente.  Ao abrir a lata, só se via uma camada branca, A carne estava mergulhada e conservada or vários dias.

Eu nunca vi matarem vaca ou boi. Mas às vezes o animal sofria um acidente no pasto, não podia mais andar ou estava muito ferido. Nesse caso, se não fosse por alguma doença, era sacrificado lá mesmo. Chegavam à casa com partes grandes, penduravam no quintal e iam cortando as peças para o cozimento. 

Papai pescava no rio da fazenda uns peixes pequenos. Às vezes nos levava para aprendermos a colocar a isca no anzol e sentir a fisgada do peixe. Eu tinha pena das minhocas que eram enfiadas na agulha. Papai me dava a vara de anzol pronta com as orientações. Eu ficava torcendo pelo peixinho. Quando ele fisgava o anzol, eu soltava a vara. Depois de adulta fui conhecer os frutos do mar (camarão, caranguejo, siri, agulha). Cheguei a experimentar alguns e durante algum tempo comi bacalhau nas festas de fim de ano.

Mas de 30 anos para cá só mantenho, de origem animal, alguns derivados do leite na alimentação. Meus exames não acusam carência de proteínas e eu me sinto bem com as de origem vegetal disponíveis no mercado. 

No entanto, há dificuldades sociais e durante algumas viagens. Ao restringir ou rejeitar convites para eventos de churrasco, percebo uma certa má vontade, um ar disfarçado de crítica ou de incômodo. Há os que sentem que terão um trabalho extra: providenciar algo "vegetariano" para a chata da Sandra. E há os que fingem que não entenderam a situação.

Nos restaurantes, quando pergunto se há algum prato à base de proteína vegetal, é comum apontarem para as saladas de alface, tomate, etc. Eventualmente levo minha marmitinha e fica tudo resolvido. Em alguns Estados do Nordeste ainda há muita dificuldade nos hotéis e restaurantes para encontrar proteína vegetal. E já ocorreu de eu passar fome literalmente.

E você, o que acha deste relato?

 

Sandra Fayad Bsb
Enviado por Sandra Fayad Bsb em 09/03/2024
Alterado em 09/03/2024
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